quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Pastora de nuvens-Cecília Meireles



Pastora de nuvens, fui posta a serviço por uma campina desamparada que não principia e também não termina, onde nunca é noite e nunca madrugada.

(Pastores da terra, vós tendes sossego, que olhais para o sol e encontrais direção. Sabeis quando é tarde, sabeis quando é cedo. Eu, não.)

Pastora de nuvens, por muito que espere, não há quem me explique meu vário rebanho. Perdida atrás dele na planície aérea, não sei se o conduzo, não sei se o acompanho.

(Pastores da terra, que saltais abismos, nunca entendereis a minha condição. Pensais que há firmezas, pensais que há limites. Eu, não.)

Pastora de nuvens, cada luz colore meu canto e meu gado de tintas diversas. Por todos os lados o vento revolve os velos instáveis das reses dispersas.

(Pastores da terra, de certeiros olhos, como é tão serena a vossa ocupação! Tendes sempre o indício da sombra que foge… Eu, não.)

Pastora de nuvens, esqueceu-me o rosto do dono das reses, do dono do prado. E às vezes parece que dizem meu nome, que me andam seguindo, não sei por que lado.

(Pastores da terra, que vedes pessoas sem serem apenas de imaginação, podeis encontrar-vos, falar tanta coisa! Eu, não)

Pastora de nuvens, com a face deserta, sigo atrás de formas com feitios falsos, queimando vigílias na planície eterna que gira debaixo dos meus pés descalços.

(Pastores da terra, tereis um salário, e andará por bailes vosso coração. Dormireis um dia como pedras suaves. Eu, não.)